Para mim, a experiência da residência começou bem antes do dia em que pela primeira vez passamos pela porta do Polo Experimental do Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea. Como bom CDF, já vinha há coisa de um mês antes deste dia mergulhando no universo de Arthur Bispo do Rosário, na sua vida e obra, lendo textos críticos, vendo fotos, vídeos, mas nada disso me preparou o bastante para o CHOQUE emocional que foi estar ali frente a frente, ou melhor, frente, trás, acima, por todos os lados, imerso, navegando, mergulhando quase em apneia, na vastidão de seus trabalhos, sem os recortes e direcionamentos museológicos de vê-los nas exposições. Vou precisar de toda uma vida para entender o que foi isso, que dias únicos foram aqueles! Houve momentos em que queria correr como uma criança na loja de brinquedos; em outros queria me encolher e chorar. Quase sempre queria abraçar as pessoas à minha volta. Devo ter falado mais alto e gesticulado mais que o de sempre.
Se isso já parecia TANTO naquele momento, quando estávamos já na reta final da montagem da exposição, quando "caiu a ficha" que em pouco tempo entregaríamos ao mundo uma exposição onde além da imensa felicidade de pela segunda vez expor com meus queridos amigos e parceiros Almofadinhas Rick Rodrigues e Rodrigo Mogiz, eu estaria lado a lado, ombro a ombro, com Arthur Bispo do Rosário, bateu excitação, bateu pânico, bateu euforia, uma sensação de responsabilidade gigante, de ter que estar a altura do que esse homem genial criou, medo de não corresponder a este desafio; por outro lado, uma felicidade imensa, uma sensação de que fui respeitado, ouvido, acolhido, de que eu mereço estar ali e agora. Enquanto escrevo minha cabeça fica em loop, revivendo estes momentos/sensações, e é difícil conseguir manter este relato coeso e coerente. Vai ser mesmo caótico! Eu avisei que seria uma reflexão precária e incompleta.
No lado artístico e intelectual, que privilégio poder trocar com a tão amorosa curadora Diana Kolker, sempre doce, aberta, delicada, irmã; que aprendizado observar nosso curador Almofadinha Ricardo Resende, com sua capacidade ímpar de liderar, decidir, apontar, cortar, inserir, mudar, provocar, sem nunca, jamais, impor, ignorar, pelo contrário, sempre acolhedor e com um respeito pelo artista e pela obra como deve ser, como muitos (eu incluído! quero um workshop!!) deveriam aprender. São tantas pessoas a agradecer, que prefiro dizer o mais sincero OBRIGADO a TODOS da equipe do Museu e do Polo que direta ou indiretamente me propiciaram esta vivência.
Porém, a minha maior e mais profunda gratidão vai para as pessoas que me tocaram mais fundo, e que talvez nem desconfiem que me viraram do avesso e me tornaram outro, um ser humano (espero) melhor: Ana, Arlindo, Clóvis, Luiz, Luizinho, Ivanildo, Patrícia, e tantos outros artistas e usuários do Polo Experimental. Eles me fizeram rever valores e certezas, me confrontaram com uma dor, e ainda assim, uma resiliência que eu não sei se eu conseguiria no lugar deles.
É preciso JÁ sair da bolha, parar com o teatro dos grandes salões que vivemos no circuito de arte em particular, e na vida de uma forma mais ampla, e nos embrenharmos na vida real, nas causas reais, nas dores reais, se queremos conhecer o afeto real, profundo, livre, isento. É preciso parar de “atuar” nos papéis de artista, curador, crítico, galerista, etc., e sermos REAIS, honestos, sinceros, diretos, se queremos produzir um debate em arte que não seja apenas para dar conta de nossas vaidades, uma arte mais potente, que seja mais relevante para a vida, e não apenas para enfeitar galerias, museus e casas de colecionadores, para exibir com orgulho nos catálogos, nos livros ou no curriculum Lattes.
Urge voltarmos ou aprendermos a enxergar e RECONHECER o outro. Por mais que sempre falemos que o mundo é maior que nossos umbigos e iphones (iphone, ipad, i-tudo, eu, eu, acima de todos, eu), é preciso REALMENTE praticar, todos os dias, nossa capacidade de ouvir, ver, sentir, absorver, apreender, chorar, rir; ou seja, de verdade nos deixarmos permear pelo outro, nos deixarmos afetar (afetos! afetos!). Há muita dor, mas há também muito amor onde normalmente passamos ao largo e escolhemos ignorar.
Não termina aqui este relato (incompleto e precário). Segue pelo resto de minha vida e obra. |