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A azulejaria, um marco arquitectónico e decorativo tradicionalmente português, incita na sua vertente pública o olhar sobre a arte e a sua autoria, pensando as possíveis intervenções que sofre tanto pela passagem do tempo, como por aqueles que com ela se envolvem. Estas intervenções são o principal aspecto abordado neste percurso expositivo que relaciona a azulejaria tradicional portuguesa, especificamente a colecção de azulejos dos séculos XVII, XVIII e XIX da Faculdade de Belas Artes, com um olhar contemporâneo de três artistas que intervêm em partes desta colecção. A intenção deste percurso em detrimento da realização de uma exposição das obras num único local é promover uma ampliação no olhar, na medida em que o espectador pode acompanhar a arquitectura da Faculdade, antigo Convento de São Francisco, e traçar as suas relações históricas com o uso desta forma de arte na construção de uma tradição e identidade no presente edifício. Os artistas convidados a dialogar com estes painéis de azulejos são de origem brasileira, oferecendo uma possível reflexão sobre as relações de Portugal com os territórios de além-mar na construção das suas identidades culturais. No diálogo proposto entre os azulejos deste património com as obras dos artistas convidados, sublinham-se questões importantes sobre a autoria: aquela de quem cria o desenho do azulejo pode ser respeitada ou distorcida por quem monta o painel, bem como por acasos do tempo, ou descasos na sua manutenção. O descaso é um conceito chave ao percurso expositivo: o termo refere-se à ideia de desprezo ou de um comportamento próprio da pessoa que não se importa, que não dá atenção, que age com indiferença ou desconsideração. Apesar de não ser uma palavra utilizada correntemente em Portugal, é muito comum no Brasil e daí a sua pertinência nesta exposição que apresenta um diálogo entre os dois países numa tradição partilhada. O percurso guia o visitante pelos corredores da Faculdade, dando-lhe a conhecer o rico património azulejar do edifício. A história da exposição desenvolve-se ao longo de três núcleos principais onde se encontram as propostas de olhares distintos dos três artistas. No primeiro núcleo, a intervenção artística de Fábio Carvalho (1965, Rio de Janeiro) no espaço urbano é intencional e pretende enfatizar a questão da falta de manutenção das fachadas da cidade, que provoca falhas nos padrões dos seus painéis. Através da colagem de representações de azulejos por ele criados, o artista completa o espaço vazio, infiltrando o seu discurso nas paredes de forma a provocar a aproximação das pessoas que por ali passam, activando o seu pensamento com o olhar. Aqui, os azulejos em papel criados pelo artista, do mesmo tamanho que os azulejos da colecção, completam as lacunas na azulejaria assentada na parede que ladeia a escadaria de acesso à capela. Nestas escadas os lambris são duplos: um por baixo do corrimão, que tem ao meio uma cartela rocaille e outro sobre este, provavelmente proveniente de outro local por não se adaptar à inclinação da escada. É neste segundo painel que se situam as falhas nas quais está a intervenção do artista. Mesmo sendo de proveniências diferentes, tanto um painel como o outro integram a azulejaria pombalina. (...) A exposição Acaso/Descaso, oferece assim um diálogo entre a arte e arquitectura, o tradicional e o contemporâneo, o acaso e o propositado, o descaso e o zelo. Todas estas relações não se configuram unicamente como contrastantes, mas como partes de uma mesma realidade complexa materializada em cada um dos núcleos expostos. |
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