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A série Anotações nasceu após a residência artística CASA B, no Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, onde além de conviver profundamente com a produção artística de Arthur Bispo do Rosário, que sempre lidou com a precariedade e a escacez de materiais "nobres", uma vez que sua produção artística aconteceu durante as várias décadas em que ele foi um interno em uma instituição psiquiátrica, e mesmo assim, produziu um corpo de obras de alto impacto e poder poético, Fábio Carvalho teve que lidar ele também com o fato de não dispor de uma grande gama de opções de materiais, como normalmente está acostumado em seu atelier.
Após esta experiência, o artista, mesmo de volta ao seu atelier, decidiu se provocar a ir mais longe e fazer da escassez de materiais parte constituinte do discurso de um novo conjunto de trabalhos, e pensar e criar obras mais simples, com menos materiais, apenas retalhos de tecidos, que precisaram ser emendados para ter um tamanho viável de se trabalhar, e o bordado simples, sem recorrer a apliques, miçandas e coisas do tipo. Para os bordados, o artista lançou mão de desenhos que já vinha colecionando há alguns anos, mas que ainda não tinham encontrado seu momento de
vir à tona.
Estes trabalhos foram criados e executados ao longo do turbulento período eleitoral de 2018, desde meados de julho, início da campanha eleitoral, até dezembro, após o resultado das eleições, e visivelmente foi contaminado pelas emoções, angústias e frustrações decorrentes destes meses, de forma que a seleção das imagens bordadas não foi de forma alguma gratuita ou aleatória.
A produção artística recente de Fábio Carvalho surgiu a partir de uma reflexão sobre os elementos que constituem as expectativas e as representações de gênero.
Sua poética artística opera na superposição e no conflito entre elementos tradicionais do universo feminino, em particular os padrões decorativos florais, a louça de porcelana, o bordado e outros labores têxteis, entre outras práticas normalmente consideradas femininas, com os estereótipos de masculinidade, como o soldado, o halterofilista, o cowboy, etc.
Como em toda a produção atual de Fábio Carvalho, o artista procura questionar o senso comum de que força e fragilidade, virilidade e poesia, masculinidade e vulnerabilidade não podem coexistir, propondo uma discussão sobre estereótipos de identidade de gênero.
* este trabalho em particular, o primeiro da série, foi finalizado em 12/6/2018, portanto muitos meses antes do famoso meme das eleições de 2018 “ninguém larga a mão de ninguém” surgir. A imagem bordada foi apropriada de uma iluminura medieval. |