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O termo "deslocamentos" não é exatamente novo:
do latim (dislocare), tem percurso certo dentro da própria história
da visualidade. A arte das cavernas, os templos, seus afrescos e mosaicos
- que constituíram uma arte de inscrição e fixidez
material -, deslocaram-se para a pintura de cavalete, que pressupunha
maior liberdade tanto pela mudança de suporte quanto por sua possibilidade
de feitura em locomoção. No final da modernidade, Duchamp
deslocava a materialidade e a representação da pintura e
da escultura para a conceitualidade do readymade, modificando a utilização
da linguagem nas artes visuais. A partir dos anos 70, outro deslocamento
ocorreria, introduzindo nossas vivências na "Era da Lógica
Paradoxal da Imagem", com a introdução do vídeo,
da holografia e da infografia na cena artística. A partir dos anos
90, o termo foi incorporado por curadores nos Estados Unidos e na Europa,
tornando-se o eixo de importantes curadorias.
Aliado a uma idéia de resistência libertadora, o displacement
ou a deslocation revela um desejo de re-alocação, re-orientação
ou, ainda, a necessidade de estabelecer novas categorias ou re-mapear
espaços não imaginados, em busca de conexões entre
estrutura do sistema e estatuto da arte e o mundo ao nosso redor.
O fortalecimento da globalização
e do capital, observado ao longo dos últimos trinta anos, gerou o
interesse gradativo pela utilização de novas mídias;
que os artistas passaram a incorporar em suas obras como forma de resistência
à idéia de dissolução da arte: deslocalização
é transferência de energia, trabalho nas fronteiras, nas bordas,
re-configuração de limites.
Da discussão do Cubo Branco - que trabalha rumo ao desmonte do
caráter estrutural de uma exposição - às polêmicas
ao redor da imagem real x virtual, a idéia de deslocamento oscila
entre o princípio de organização e desorganização,
na tentativa de apreensão de um intervalo, entre localização
e deslocalização. O resgate do sujeito através da
manutenção do aqui/agora é o fenômeno que configura
a idéia de resistência libertadora. O tempo é o suporte
onde a arte pode ser tecida.
Três blocos de expressão constituem a mostra: Estranhamento,
A Superfície e Imagem/Tempo. (...)
Imagem/Tempo
(...)
No terceiro bloco prevalece a relação imagem/tempo, bem
como a diferença de atitude em relação aos suportes
e precedimentos artísticos.
(...) as águas venezianas de Fábio Carvalho, ou ainda suas ruas
e supermercados, tanto faz, é o tempo sobreposto em camadas que
protagoniza as cenas; (...)
A trama conceitual de "Deslocamentos" constela um sistema de
conexões intricadas. O transbordamento dos conteúdos mescla-se
a questões referentes aos deslocamentos dos suportes; assim, seus
blocos de expressão podem ser lidos de maneira entrelaçada,
não são segmentos ou setores, mas sim vetores de indicação.
O agrupamento das obras não é rígido, é índice
de uma vertente da contemporaneidade cuja poética volta-se à
dimensão socioantropológica: vida cotidiana, estranhamento,
hibridação do suporte, modificação do plano
de visão, urbanidade, tecnonatureza. Re-alocam, re-mapeiam. A periferia
é o centro, a imagem é refém do tempo. Se os artistas
solicitam que o olho acompanhe e descortine outros horizontes, não
é para que se descubra o novo, mas, quero crer, para ampliar as
funções do sentido e o locus da arte.
Publicado no catálogo da exposição
Deslocamentos (Rumos Itaú Cultural Artes Visuais)
Fundação Joaquim Nabuco - Recife - PE - 2000
Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura - Fortaleza - CE
- 2001 |
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