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Olhar além Dodora Guimarães 1999 No alvorecer do século XX, "NUM MEIO-DIA de fim de primavera", Fernando Pessoa teve um "sonho como uma fotografia". Apropriando-se da nova imagem de então, a fotografia, o poeta sensibiliza com realismo a visita fugidia de Jesus Cristo, que lhe apareceu "eternamente humano e menino". Sonho parecido deve ter tido o litógrafo Nicéphore Niépce, num longo dia de 1826, ao ver o jardim do vizinho fixado em fotografia, quer dizer, imanente e reproduzível diretamente do real. Longo dia não só porque o inventor teve de esperar um dia inteiro para conseguir o feito, mas porque a "mágica" obtida era aguardada há séculos. O dispositivo usado, a câmera escura, já conhecido na Grécia antiga, e aperfeiçoado ao longo do tempo, era utilizado como instrumento de estudo da perspectiva, como mostra uma gravura de Albrecht Dürer, de 1525. Se longo foi o tempo para a entrada de Niépce em cena, o atraso foi recuperado no ritmo acelerado imposto pela Revolução Industrial. Enquanto Louis Daguerre encurtava o tempo de revelação da foto (daguerreótipo), processo que não demoraria a chegar ao Brasil, trazido por Dom Pedro II - entusiasta da nova expressão -, a fotografia já desabrochava em Campinas, São Paulo, onde Hercule Florence desenvolvia os experimentos que nomeou Photographie (denominação que perdurou). Em 1841, William Talbot inventa o negativo (calotipia), possibilitando a reprodução múltipla de um mesmo original e, na seqüência, George Eastman, criador da Kodak e inventor da câmera portátil, anuncia em 1888: "Você aperta o botão, nós fazemos o resto". Assim, o desejo ancestral do homem de perpetuar sua imagem e seu entorno, expresso desde a pré-história, era-lhe concedido de forma instantânea e misteriosa. "O que a fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente", nas palavras de Roland Barthes. |
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"Que futuro estará reservado à imaginação
individual nessa que se convencionou chamar 'a civilização
da imagem'?". A esta pergunta de Ítalo Calvino, os artistas
aqui reunidos apontam algumas pistas. "Viajantes de fato, eles partem
por partir; de coração flutuante", como no poema A
Viagem, de Charles Baudelaire. Adriana Varella, Fábio de Carvalho,
Mariano Klautau Filho, Tiago Rivaldo e Val lançam-se ao jogo do
acaso, em busca dos "encantos secretos que só o acaso com
as nuvens delineia". Publicado no catálogo da exposição
Olhar Além (Rumos Itaú Cultural Artes Visuais) |
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