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Uma das dicotomias mais fascinantes que definem a vida nas cidades é a relação entre o público e o privado e como esta tem mudado ao longo do tempo. Em Lisboa, os azulejos tradicionais traduzem visualmente esta dicotomia. O caráter decorativo inerente aos azulejos passou do domínio do privilégio privado de clérigos e nobres para o domínio público do quotidiano e imaginário de todos os cidadãos e turistas da cidade. É nesta dicotomia e a partir das diversas e particulares interpretações dos artistas convidados que a narrativa da exposição se desenvolve. Diogo Machado (Portugal), Fábio Carvalho (Brasil), Rodrigo Vila (Portugal) e Bruno Miguel Serra Sousa (Portugal) têm vindo a desenvolver as suas obras pela observação dos padrões dos azulejos tão presentes com as suas características e problemas na paisagem urbana lisboeta. Tomando como ponto de partida a coleção de azulejos da Faculdade de Belas Artes, esta exposição vem refletir sobre o valor privado que antes tinham os azulejos de padrões que foram usados como elementos ornamentais e de ostentação no interior de palácios, Igrejas e conventos onde só os mais privilegiados podiam desfrutar das suas cores e formas que proporcionavam e ainda proporcionam verdadeiras experiências do sublime. Um destes lugares privilegiados é a própria Faculdade de Belas Artes (FBAUL) que ocupa o antigo Convento de São Francisco e onde ainda hoje se podem encontrar vários exemplares da azulejaria portuguesa nas suas paredes interiores. Na verdade, não deixa de ser um lugar privado, pois, à partida, só alunos, professores e funcionários entram aqui. Para além dos azulejos visíveis, a FBAUL também guarda e protege muito mais azulejos que foram encontrados já fora dos seus contextos originais. Algumas destas peças foram trazidas de outros conventos e datam dos séculos XVII e XVIII. O trabalho de restituir os painéis originais tem sido muito difícil devido à falta de muitas das peças e ao seu delicado estado de conservação. Apesar desta situação estes azulejos não têm perdido a sua dignidade e beleza, o que deve ser apreciado por todos, reivindicando assim a sua atual condição pública como património cultural. A história dos azulejos também tem a sua relevância na esfera pública quando o seu uso passa a formar parte das fachadas dos prédios no período liberal do século XIX. Desde esse tempo até agora tem sido uma das características principais de Lisboa. Tentar imaginar esta cidade sem azulejos pode parecer estranho, mas a verdade é que esta situação começa a ser uma realidade quando se repara no fenómeno cada vez mais grave do furto de azulejos para serem depois vendidos nas diferentes feiras da cidade. Esta compra de azulejos roubados, curiosamente torna um bem público num objeto privado, criando aqui uma inversão da situação anterior, quando o uso dos azulejos nas fachadas democratizou esta arte. É aqui que a arte contemporânea se funde com a arte dos azulejos dos séculos XVII e XVIII. Com o trabalho dos artistas convidados não se trata de comprar pedaços da cidade ou azulejos roubados, mas interpretá-los e apropriar-se deles de uma maneira simbólica numa criação original. Numa procura de dar uma nova vida a estes azulejos seculares, os artistas convidados partem dos padrões de azulejaria portuguesa guardados na coleção e apresentam uma interpretação atual a partir de uma arte antiga. Em contraponto a função decorativa dos azulejos originais da coleção da FBAUL, Diogo Machado, Fábio Carvalho e Rodrigo Vila reinterpretam estes trabalhos numa reflexão sobre várias questões contemporâneas como a degradação, o vandalismo e os roubos constantes de que são vitimas os azulejos históricos de Lisboa. (...) São precisamente os fragmentos perdidos dos prédios lisboetas o motivo das intervenções de Fábio Carvalho. Inspirado nos padrões de azulejos da arquitetura portuguesa o artista tem intervindo em algumas fachadas da cidade, nomeadamente na zona dos Anjos, onde os azulejos originais já estavam em falta, por deterioração ou roubo (série Aposto, 2015). Os seus novos padrões impressos em papel e colados nas paredes completam de uma forma única os espaços vazios, integrando-se como um vírus num espaço preexistente que sussurra a sua existência através do contraste. O convite para intervir em três painéis de azulejos antigos da FBAUL foi pensado para transferir a ideia da intervenção no espaço público para um espaço mais privado com peças que se mantinham até agora, na esfera do privado por motivos de conservação. (...) O denominador comum – ou o padrão – da exposição “O Padrão Irregular” é o diálogo com a cidade e os seus elementos, neste caso os azulejos e os seus padrões, agora tão irregulares como irregular e diferente é o olhar que podemos ter sobre eles. |
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