Quem nasceu no século XXI provavelmente não saberá o sentido atribuído a ‘parada’ nesta exposição. Até o final dos nos 90, ainda era comum que as escolas ordenassem estes desfiles em dias festivos, mas com o tempo a prática tornou-se escassa, restando a tarefa somente aos quarteis militares cuja pompa precisa ser reificada anualmente. Dentre os mais jovens, ou mesmo entre os que nunca participaram de um desfile, o termo pode ainda conotar um simples feito, algo prosaico, algo que se possa dizer, uma ‘parada’. Mas aqui, não tratamos a palavra com esta conotação, antes aludimos mesmo ao desfile cívico-militar, exemplarmente perfilado, rígido, disciplinado e musical. Entretanto, nascem da diferença entre o fluxo contínuo do desfile e a dormência do casulo, o resultado da metamorfose: soldados alados que flutuam no espaço, diante de nossos olhos, num mister de beleza e agressividade, compondo um sólido no espaço - transitando entre um trabalho de natureza instalativa e um exercício no campo ampliado da pintura.
Em Parada II, Fábio Carvalho retoma uma série de trabalhos de motivos semelhantes, em que os soldados recebem asas de borboletas monarcas – curiosa espécie tóxica que migra milhares de quilômetros anualmente e cuja beleza é copiada por outras espécies não tóxicas. Neste lugar, um ar severo se impõe versando sobre ordem, padrão, repetição, indistinção. Contudo, é no avesso da imagem que se forma o que desejamos mergulhar, pois, é na inadmissão das diferenças que estas se sobressaem e firmam-se pujantes sobre o ordenamento e a austeridade. Toda estrutura rígida se parte. Toda estrutura flexível, perdura.
Atual tempo tão sombrio, onde a adesão voluntária à bestialidade marca compasso, Parada II nos lembra que no entremeio das estruturas rígidas restam-nos respiros de luz. Estes, quando percebidos transformam-se em centro focal, em rota de fuga ou lugar de descanso. Em um terreno em que as existências não sejam coibidas com quaisquer formas de ‘cura’, reprogramações, doutrinações ou apagamentos. Lugares onde sejam garantidas a possibilidade de ser e existir, apesar das diferenças e padrões que cerceiam os frágeis livres-arbítrios individuais.
Aqui sobeja a firmeza, incluindo a delicadeza dos materiais. Eles não mentem, por isso são fortes. São centenas de impressões dispostas em fileiras, realizadas uma a uma pelo artista em papel de seda. A poesia que se espraia no espaço deste Memorial, vem como um desfile – musical, devoto e ordenado. Conta uma vez mais, sobre as possibilidades que emanam da multiplicidade, da festa e sobretudo, da pluralidade tão necessárias num mundo tão desigual, contudo atarracado numa lógica de mercado que impõe preços distintos e limites comuns aos diferentes.
Curioso, por fim, perceber que desta vez, Parada II se instala num Memorial dedicado a uma controversa figura pública brasileira cujos méritos ainda são questionados ou reificados. Num lugar de ordem e silêncio, geometricamente calculado para receber uma expografia permanente, o trabalho de Fábio Carvalho nos lembra que a cor é um meio perene de acessar a musicalidade do mundo. As cores tremulantes no recinto nos convidam para uma aproximação – mas também impõem um limite ao adentrar seu espaço. Diante de nós está posta uma elegia a tudo o que é plural. Uma multidão de alguns na contramão do tempo, com humor, simbolicamente heroicos. Tudo aqui é forte, apesar de frágil. |