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A exposição Situação Delicada reúne trabalhos, alguns ainda inéditos, de várias séries da obra do artista carioca Fábio Carvalho. Como em suas exposições anteriores, mais uma vez Fábio Carvalho deixa-nos numa situação delicada ao observarmos cada um dos seus trabalhos. Somos confrontados com a sobreposição e conflito entre os estereótipos de masculinidade e os elementos atribuídos ao universo feminino. |
Na série “Situação Delicada” (obra de 2011, mas ainda inédita, que dá nome à exposição) temos reproduções de páginas de scrapbooks e de álbuns de fotos vitorianos combinadas com fotos de armas de brinquedo, proibidas no Brasil com a justificativa de incentivarem a violência nas crianças mas que na verdade foi uma forma de estas deixarem de ser utilizadas em assaltos. A própria circulação das imagens destas armas poderá ser considerado ato repreensível. A arma ganha uma nova dimensão nesta justaposição de elementos, não deixa de ser símbolo de força, agressividade, mas abre caminho para uma nova leitura, leitura esta diferente de pessoa para pessoa e por conseguinte única e pessoal. |
O bordado de “Bai feliz buando, no bico dum passarinho nº 7” revela a influência e descoberta de novos elementos devido às várias viagens de Fábio Carvalho a Portugal. O lenço dos namorados é um objeto enraizado e reconhecido da cultura popular portuguesa, tendo sua origem no séc. XVIII. Era usado como ritual de conquista. A mulher apaixonada bordava o lenço, fazia-o chegar à posse do homem amado e este o passaria a usar em público como forma de mostrar que o amor era correspondido. Era hábito também a mulher apaixonada bordar o seu lenço e entregá-lo ao seu amado quando este se fosse ausentar. Fábio Carvalho borda à mão um fuzil em tamanho real que se mistura entre elementos padronizados dos lenços dos namorados. Torna-se interessante o fato de os lenços em questão serem elaborados por mulheres, com motivos majoritariamente do universo feminino, mas para serem usados por homens. No Lenço em si temos também o conflito entre expectativas sobre gênero. Quando Fábio Carvalho adiciona a arma aos elementos do lenço, principalmente para o publico português que os reconhece de imediato, causa no observador uma certa estranheza, não pelo tamanho da arma nem pela alteração do padrão, mas sim pelo simples fato de ser um elemento, que no nosso pensamento, não se enquadra com os demais. |
A peça “Pele de Chintz - Vila Cruzeiro - novembro 2010”, também inédita, onde temos silhuetas de policiais em ação, recortadas sobre padrão floral chintz de decoração de porcelana, surgiu como um comentário indignado sobre a situação absurda em que uma operação policial complexa e delicada de repressão ao crime organizado na cidade do Rio de Janeiro foi transmitida ao vivo na TV, como a violência se tornou banal. |
Na série “Yours Sincerely”, Fábio Carvalho utiliza reproduções fotográficas, em molduras de porta-retratos antigos, de fotografias de prisioneiros da I Guerra Mundial do campo de prisioneiros de Sennelager, Alemanha. A coleção de fotos pertenceu a um sargento inglês, ele mesmo um dos prisioneiros. As fotos, que retratam soldados de vários países, eram oferecidas por estes a outros soldados, quase sempre com dedicatórias afetuosas. Às fotos originais Fábio Carvalho adicionou ornamentações florais. Apesar de serem fotos oferecidas entre soldados, até com dedicatórias afetuosas, que só por si seria motivo de estranhamento, principalmente se nos lembrarmos que foi algo que aconteceu durante uma guerra, são porém as ornamentações florais que o fazem. Ao nos confrontarmos com a obra de Fábio Carvalho somos sempre obrigados a questionar e repensar ideias, convenções e pré-conceitos. Será tão impossível afinal que força e delicadeza, virilidade e poesia, masculinidade e vulnerabilidade coexistam? Rodrigo Vila Lisboa, abril de 2015 BANDURA, A. Psychological Modeling: conflicting theories. Chicago: Aldine-Atherton Publ. Co., 1971. KOHLBERG, L. A cognitive-developmental analysis of children’s sex-role concepts and attitudes. Em E. E. Maccoby (Org.), The development of sex differences (pp. 82-173). Stanford: Stanford University Press, 1966 |
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