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25.5.11
Fábio Carvalho: entrevista
O artista carioca Fábio Carvalho (na foto ao lado de Rosana Palazyan e este que vos escreve) está expondo na Galeria Anna Maria Niemeyer (filial Baixo Gávea) uma série inédita de trabalhos, intitulada “Macho Toys”. Você pode ler sobre a mostra no Supergiba, e aqui conferir uma entrevista com o artista, feita num bate-papo informal com ele, via facebook.
Fábio Carvalho - Estou muito feliz com esta série. Acho que nunca produzi tanto, e com tanta vontade...
Supergiba – Tive uma amiga na faculdade que usava os mesmos decalques de flor e borboleta, e sou testemunha do quanto ela penava pra produzir... Mas os seus são imbatíveis. A composição é muito boa.
Obrigado! São decalques bem difíceis de achar, mas eu consegui uma forma de produzir os meus próprios, e encontrei uma fábrica em São Paulo que ainda os faz também.
Lembro que essa amiga corria umas lojinhas da Rua da Alfândega em busca deles... E como naquela época não havia internet, ela reproduzia imagens com xerox… Mas falando dos seus trabalhos: os de louça são o máximo. E os de plástico me remetem à obra da Márcia X, artista carioca dos anos 90, que morreu precocemente. Acredito que você também encontre alguma relação...
Sim, penso na Márcia muitas vezes, e em particular quando estou à procura dos bonecos no Saara. Muitas vezes vejo aqueles soldados que se rastejam, com uso de pilha, praticamente um paradigma de Márcia X para mim, e eu penso "não, estes são SAGRADOS! ninguém mais pode usar".
Hehehe... E como evitar o que já foi usado? Quase tudo já o foi...
Pois é. Usado e dito. Só resta dizer da sua maneira particular. Dizer o que lhe é realmente particular, próprio. E com sorte você assim consegue chegar no outro.
Se paramos para pensar, o Barrão também tem um trabalho bem interessante com porcelana. E o que você diz sobre "maneira particular" eu também acredito. Aparentemente, os trabalhos e os artistas podem se confundir, ser confundidos... E gerar confusão... Me parece cada vez mais evidente a necessidade do contato com o pensamento do artista, mais do que a simples contemplação de seu trabalho. Saber o que ele pensa, o que permeia seu fazer, isso contribui e muito para a compreensão de uma poética, e sua diferenciação dos demais. Diferenciação e diálogo. Não apenas distanciamento, mas também aproximação. Não acha?
Concordo. É mesmo importante ouvir o que pensa o artista sobre o próprio trabalho, mesmo que seja geralmente uma coisa difícil para a maior parte dos artistas falar do próprio trabalho. Por falar em Barrão, vc conhece o trabalho da Yee Sookyun? O trabalho dela e do Barrão são muito próximos, mas ao mesmo tempo, afastados na poética, no que move cada artistas a realizar sua obra particular. Fiz um post sobre a Yee no meu blog.
Não, não conheço... Mas sobre os artistas falarem sobre o seu trabalho, tenho visto que muitos se viram obrigados a vencer esse desafio.
Talvez por eu ser do tipo mais racional, cabeção, eu sempre tive necessidade de pensar e escrever sobre meu próprio trabalho. Claro que gosto muito de ouvir a opinião de outras pessoas sobre meu trabalho
E o trabalho dela não seria "igual" ao do barrão? Antes isso soaria inconcebível, hoje é percebido como valor.
Exato. O trabalho da Yee poderia ser visto como igual ao do Barrão na construção, mas se você entende o que a levou àquele trabalho, percebe que ali não é problema de quem fez o que antes.
Não existe mais plágio, apropriação, isso ficou meio esvaziado, você não acha? A existência de um trabalho semelhante meio que corrobora a poética e o discurso de quem os faz semelhantes...
Sim, acho, não há mais sentido em descobrir quem é "o original".
Lembro do estigma que enfrentaram José Leonilson, Rosana Palazyan, e outros que beberam na fonte de Arthur Bispo do Rosásio...
Sim, é verdade.
Chegaram a ser confortavelmente acomodados na “Legenda Bispo”, pelas questões particulares que os levaram a assumir tal "linguagem", mas seus trabalhos demonstraram-se potentes por si...
O mais bacana é que me parece que o trabalho do Barrão e da Yee com pedaços de porcelana começaram praticamente na mesma época…
Exato. É claro que se chega a uma zona de conforto, em ver que outros fizeram o mesmo, ou mesmo parecido... Um conforto desconfortavelmente confortável...
O fazer é mais importante a meu ver. Especular sobre autoria, originalidade, ineditismo, é algo que a cada dia pesa menos na arte. Não só nas visuais, como na música, no cinema... Gosto da sua expressão "conforto desconfortavelmente confortável", define bem a sensação. Vivemos, afinal, a cultura do remix, do citacionismo, que começou lá pelos anos 1980. |
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Eu entrei nessa zona... hoje observo a arte meio que à distância... quando saí do jornal do brasil, fui cobrado no bom sentido a voltar... Me custou caro esse afastamento, e o Supergiba foi a maneira mais confortável de voltar a me aventurar sobre esse tema...
O blog dá uma independência maior, não é?
Eu realmente gosto de conversar com os artistas, e me considero bem sucedido na compreensão de suas questões... Já foi mais difícil conversar e extrair deles algo que fizesse sentido... Mas a internet, e a democratização de conteúdo, contribuíram para mudar isso… Todos aprenderam a expressar melhor suas ideias.
Bacana, você tem um bom "faro". Me lembro de você sempre "no meio" dos artistas, próximos, no convívio, e não de longe, apenas como jornalista.
Efrain Almeida (á direita, com Raul Leal), Rosana Palazyan, Márcia X, Ricardo Ventura, Maurício Ruiz... Somos da mesma geração. E o mais bacana que fiz, acredito, foi aproximar diferentes gerações de artistas e leitores... Nunca me restringi a este ou aquele, e isso é algo que vale até hoje no blog.
Acho que essa é a grande diferença. Você não fica apenas no release que os artistas ou divulgadores mandam. Eu sempre percebo que você vê a obra, e busca a sua compreensão da mesma. Isso é muito diferente do que muitos que "escrevem" sobre arte fazem.
Tive o Carlos Scliar e a Anna Bella Geiger como fonte no início de minha carreira como jornalista de artes plásticas, ao mesmo tinha o Efrain e a Márcia apontando novidades... Mas nem sempre posso ser original. Quando não tenho tempo, e confio na fonte, incorporo o release, sobretudo quando bem escrito... Mas o papo com quem produz é determinante para esse olhar que sim, é meu, e que também se forma a partir da conversa... Conhecer o artista em seu processo, ao longo de sua trajetória, também ajuda... Fazer as entrevistas no ateliê, não somente na redação, é bom tb.
Fábio Carvalho, Victor Arruda e Jozias Benedicto: vernissage
Tem alguma coisa que vc gostaria de perguntar sobre meu trabalho?
Hehehehe. Várias coisas...
Me ocorreu agora uma historinha, que me foi contada na galeria, que achei uma das coisas mais bacanas como reação ao meu trabalho.
Então me conta. Depois te lanço a pergunta.
Na coletiva de acervo tinha um soldado meu. Apareceu uma mãe com um menino de 8/9 anos talvez, e me disseram que ele ficou louco, pedindo à mãe para brincar com o soldado. A mãe explicou que não podia e tal, por se tratar de uma obra de arte. E no meio da explicação o menino parou, ficou quieto, e depois perguntou intrigado: "Mas mãe, isso é brinquedo para menino, ou para menina?" BINGO! Ele entendeu tudo, com sua ingenuidade de criança.
As crianças sempre entendem mais depressa.
Tem também os caras do bureau onde imprimo as gravuras. Uma vez me disseram: "Mas isso tá errado! Soldado não pode ficar no meio de florzinha!" |
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Levei o Vitinho (filho de uma amiga, hoje com oito anos) para uma coletiva no MAC de Niterói, e diante de um canto virtual do Cildo Meireles, em três dimensões, ele disse: Peraí... Você tem essa mesma “coisa” na parede, como uma gravura. Ele reconheceu o artista, e mais importante: a situação de algo forjado para enganar quem observa... Dias depois veio com a seguinte pérola: “Os artistas plásticos são incompreendidos. Nem todo mundo entende o que eles fazem”.
Eu deveria mostrar aos caras do bureau umas fotos de estúdio da primeira guerra que encontrei recentemente, com soldados cheios de rosas e outras flores presas no uniforme. Que máximo o Vitinho!
Flávio Bragança, entretido com a série de colagens
com fotos da 1ª Guerra Mundial
Mas sobre seu trabalho...Você não pensa em incorporar brinquedos ditos femininos para tratar de questões do feminino? Porque, por enquanto, de feminino entram adornos, e um certo modo de fazer, mas não os brinquedos em si...
Isso já me passou pela cabeça, se eu deveria ou não pensar/fazer o outro lado da questão. Mas sempre que penso nisso não consigo me relacionar, não ainda. É como se eu não me identificasse com a própria ideia. Me parece que seria (ainda) um desdobramento forçado, talvez por ser precoce, não sei.
Entendi...
Ou talvez seja uma limitação minha mesmo, pois eu sempre circulei apenas no território dos brinquedos de meninos, pois éramos 3 irmãos. Talvez, se eu tivesse tido uma irmã, isso fosse mais fácil para mim. Eu teria tido acesso aos códigos das brincadeiras "de menina". Acho que seu eu usasse bonecas, seria um comentário sobre a coisa, o que poderia ser válido, mas talvez eu ainda tenha coisas mais próximas de mim, digamos assim, para tratar.
É verdade... Mas flores, porcelana, borboletas... Isso você foi buscar já adulto... Mão seria o caso de brincar de boneca e casinha pra saber como é?
Ah, a sua pergunta é ótima, pois me dá a chance de falar uma coisa que sempre está na minha cabeça, mas me foge... A porcelana, em particular a ostensivamente decorada, até o século 19 era uma coisa do universo masculino. Era "coisa de homem" . E hoje em dia, com todas as mudanças culturais posteriores, passou a ser visto como "feminino". Por isso me interesso pela decoração antiga de louça. O jogo de jantar, no tempo em que isso era muito caro e de difícil aquisição, era uma coisa usada pelos homens para demonstrar riqueza e poder. O jantar formal era quando um senhor nobre, e depois também os burgueses mais ricos, demonstrarem sua posição social. Nos jantares formais muitos negócios e esquemas políticos eram fechados. A porcelana, quando surgiu na Europa, era coisa disputada por reis e nobres, era assunto de homem, e não de mulher. No séc. 19, a louça "das mulheres", a usada na cozinha, lá nos bastidores da casa, e mesmo nos chás da tarde, onde só compareciam mulheres, era BRANCA, sem decoração, e mais barata. Há um texto da arqueóloga e antropóloga Tânia Lima excelente sobre isso, que foi muito importante para mim.
Meninas observam os trabalhos produzidos
com bonecos, flores e pires porcelana
Que máximo essa história. No seu blog vi sobre sua relação com a porcelana, algo que não conhecia...
É, foi algo que tomou corpo em 2005, quando eu estava um pouco mais distante da arte. Eu tive um período mais afastado, que foi mais ou menos de 2004 até 2008, quando continuei a produzir, em ritmo mais lento, nunca cheguei a parar, mas me dediquei a duas coisas com mais intensidade: música e a coleção e pesquisa sobre louça brasileira. Neste "afastamento" é que acho que se processou a mudança de curso em minha produção. Aquele blog, sobre o qual você fala, é apenas sobre louça. É uma das minhas "vidas paralelas". A arte fica no meu site "tradicional".
Todo distanciamento é salutar... Me lembra o filme Sociedade dos Poetas Mortos... E a metáfora de subir na cadeira e olhar pros lados, de outro ponto de vista. Isso amplia nosso campo de visão. Estudar, pesquisar, ler sobre temas correlatos ou mesmo distantes também é uma forma de estimular a criatividade.
Sim, sempre é. Voltando à Márcia X, é preciso "chafurdar na lama" para poder produzir em arte algo que valha a pena. Ou seja, é preciso viver todos os aspectos da vida, não ficar preso no trabalho de arte, ou apenas em arte como um todo. Isso é asfixiante, limitante. É preciso dar vazão a todos os seus desejos e necessidades, descobrir coisas novas, ver filmes, ler livros, viajar, estar com as pessoas etc.
Exato.
Arte, para mim, é uma tradução, ou tentativa de entender por outra ótica, aquilo que num dado momento atrai minha atenção, que povoa minha cabeça, aquilo que é o meu interesse mais forte.
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