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Essa destradicionalização vem acompanhada de uma reação dos apegados aos antigos valores, que acusavam os almofadinhas de “feminização do social”, que estes promoviam uma “desvirilização” da sociedade, sugerindo a progressiva perda de valores patriarcais. Esses “novos homens” foram constantemente ridicularizados pela imprensa, e tornaram‐se motivo de chacota, taxados de efeminados. “O almofadinha mostrava‐se assim, uma figura desviante colocando em xeque a macheza e a honra da sociedade masculina, ou de toda uma estética de machos acostumados com a "dureza das feições de seus homens” (MELO, 2014). Como vemos, muita coisa não mudou de 1919 para os nossos dias e, ainda hoje, para muitos parece estranho, ou mesmo emasculante, como na alegoria da submissão de Hércules, quando um homem se dedica a atividades normalmente vistas pela maioria como “coisa de mulher”: bordar lenços, paninhos de mesa e almofadas, pintar pratos de porcelana, construir objetos frágeis e delicados com flores e borboletas. Em 2017 homens que bordam certamente não são mais novidade no meio artístico. Bispo do Rosário e Leonilson produziram uma imensa obra baseada em, entre outros meios, bordados. Porém, fora deste meio, ainda vemos de narizes torcidos até reações mais violentas ao fato de que há homens que bordam, ou que tem como base de seus trabalhos atividades entendidas como “femininas”, o que para uma grande parcela da população brasileira (e de forma geral, ocidental) estaria “errado”, por não serem viris.
Como indagou Ana Paula Simioni, “o que faz do ato de bordar uma prática vista como ‘naturalmente’ feminina? Por que quando realizado por homens só pode ser compreendido mediante o estigma da ambiguidade?” (SIMIONI, 2010). Uma explicação sugerida pela autora seria por a partir do século XVIII, principalmente, começou uma ruptura nítida entre a “grande arte” e as “artes aplicadas”. As pinturas de história e os retratos, bem como as grandes esculturas de figuras humanas, por diversas razões tornaram‐se os gêneros que passaram a ocupar o cume da hierarquia acadêmica, gêneros estes que dependiam da formação nas academias de arte, que eram vetadas às mulheres, que ficaram restritas às “artes menores” – as miniaturas, as pinturas em porcelana, as pinturas decorativas, as aquarelas, as naturezas‐mortas e, finalmente, todos os tipos de artes aplicadas, particularmente as tapeçarias e bordados.
Gêneros outrora valorizados, como a tapeçaria e o bordado, centrais durante a Idade Média, passaram, ao longo da Idade Moderna, a comportar duas cargas simbólicas negativas: a do trabalho “feminino”, logo inferior, e a do trabalho manual, cada dia mais desqualificado (SIMIONI, 2010). Um contraponto que nos mostra como os valores associados aos gêneros são questões culturais, e portanto, acordos no tempo/espaço, são duas categorias de bordados na cultura islâmica que são realizados apenas por homens: O "Kiswah", um bordado gigantesco, trocado todos os anos, com 658 m2, 15Kg de fios de ouro sobre 670kg de seda preta, com custo de U$ 5,3 milhões que cobre a Caaba em Meca, centro das peregrinações muçulmanas e para onde todo muçulmano volta-se em suas preces diárias (EMEL, 2010), e o "Bisht", tradicional hábito masculino usado atualmente apenas em dias de gala, ricamente bordado, muitas vezes com fios de ouro e prata (HANNAH, 2011). Do encontro de três artistas homens que se dedicam em seus trabalhos, por razões distintas, mas que se entrecruzam, ao território do sensível e do delicado, e que tem o bordado como um dos meios de produção de suas obras (mesmo que não exclusivamente), nasce a exposição “Almofadinhas”, que apresenta o trabalho de Fábio Carvalho (RJ), Rick Rodrigues (ES) e Rodrigo Mogiz (MG). |
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Agradecimentos a Rick Rodrigues e Rodrigo Mogiz pelas sugestões ao texto. |
Bibliografia EMEL (site). Making of the Kiswah, IN: Emel, Issue 74, novembro 2010. Disponível em: HANNAH. Saudi Arabian Bisht. IN: Embroidery for ducks. Disponível em: embroideryforducks.com/2011/04/27/saudi‐ MELO, Alexandre Vieira da S. Melindrosas e almofadinhas: O masculino e o feminino por meios das charges nas revistas ilustradas (Recife, década de 1920), IN: Anais do 18º REDOR, Universidade Federal Rural de Pernambuco, 2014. Disponível em: www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjL6OGF2 NAhVB G5AKHdqaDkcQFggeMAA&url=http%3A%2F%2Fwww.ufpb.br%2Fevento%2Flti%2Focs%2Findex.php%2F18redor%2F18 redor%2Fpaper%2Fview%2F2127%2F833&usg=AFQjCNHPclQnA2VAC7xMF83‐dOjYXltjjg&sig2=LIBwBlDTKR24tcFCS‐ MM6w, acessado em: 11/07/2016. MIGÃO, Pedro. Histórias Brasileiras – “Almofadinha – a Origem”, IN: Ouro de Tolo, 06/05/2013. Disponível em: Perfume da Flor de Lótus (site). Onfale e Hércules, IN: O Perfume da Flor de Lótus, 19/04/2008. Disponível em: PINTO, Tales. República Velha (1889‐1930), IN: Brasil Escola, sem data. Disponível em: SIMIONI, A. P. C. Bordado e transgressão: questões de gênero na arte de Rosana Paulino e Rosana Palazyan. IN: Proa – Revista de Antropologia e Arte [on‐line]. Ano 02, vol.01, n. 02, nov. 2010. Disponível em: www.ifch.unicamp.br/proa/ArtigosII/anasimioni.html, acessado em: 12/04/2011. |
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