obras ] [ curriculum ] [ notícias ] [ entrevistas ] [ vídeos ] [ publicações ] [ textos ] [ bibliografia ] [ na midia ] [ loja ] [ coleções ] [ e-mail















Retorna ao índice de textos





conheça o trabalhoO auto-retrato na (da) arte contemporânea
Tadeu Chiarelli
2001


O estudioso norte-americano Benjamin H.D. Buchloh, ao historiar os antecedentes dos procedimentos alegóricos da arte contemporânea, surgidos no início do século XX, encontrará uma concomitância entre a prática de montagem, na literatura, no cinema e nas artes visuais, e uma série de textos que teorizam sobre aqueles procedimentos. Entre eles, o autor atentará para a importância dos escritos pelo filósofo alemão Walter Benjamin, significativos para a compreensão dessas técnicas de montagem na arte contemporânea.

Pautado em Walter Benjamin, Buchloh identificará o caráter alegórico do procedimento da montagem, afirmando que nele estariam contemplados alguns dos princípios básicos da alegoria: "(...) apropriação e desgaste de significado, fragmentação e justaposição dialetal de fragmentos, e separação de significante e significado".

...Apropriação, fragmentação, justaposição, cisão entre significante e significado... Todos esses elementos estão presentes na produção apresentada na exposição, que reúne cerca de 50 auto-retratos produzidos nos últimos 25 anos, nas mais diversas mídias, entre as quais a fotografia, o xerox, o vídeo e o CD-ROM.

Essas obras têm em comum o fato de, na maioria dos casos, os autores se utilizarem de registros (fotográficos ou fílmicos) dos próprios corpos, realizados por terceiros, para produzirem seus "auto-retratos". Já aqueles que não se utilizam desse expediente, preferindo construir os próprios registros, tendem a manipular as imagens de seus corpos de maneira tão radical e objetiva, como se elas fossem meras imagens de seres anônimos, sem nenhuma conexão maior com seus autores.

É justamente nessa atitude dos artistas com a própria imagem - seja esta tomada por ele ou por outrem - que reside o primeiro índice alegórico das obras aqui apresentadas: nelas as imagens são apropriadas, descontextualizadas, justapostas a outras imagens, transformando-se em discursos ambíguos, com significados velados, repletos de mistérios.

Por trás da concepção de alegoria apontada por Buchloh, estariam as idéias do filósofo alemão sobre as práticas alegóricas no barroco europeu, originadas do impacto do capitalismo. Tais práticas, por sua vez, estariam muito próximas daquelas usadas pelos artistas modernos e contemporâneos, ligadas à apropriação de imagens já prontas, à colagem e à fotomontagem.

Como afirma Buchloh, para Benjamin: "(...) 0 mundo dos objetos materiais, assim como a percepção geral do caráter efêmero do mundo durante o barroco, revela sua decadência com a transformação dos objetos em mercadorias, fenômeno que se produziu com o estabelecimento da produção capitalista. Esta desvalorização do objeto, sua divisão em valor de uso e em valor de troca, e o fato de sua função ser, em última instância, a de atuar exclusivamente como produtor de valor de troca, afeta profundamente a experiência do indivíduo..."

Essa associação da alegoria com o objeto entendido como mercadoria ganha um forte sentido quando nos lembramos que, ao atuar com uma imagem já pronta de si mesmo - descontextualizando-a e mudando seu significado original -, os artistas presentes nesta exposição estariam operando dentro do universo da alegoria (como definido acima por Benjamin Buchloh), vendo a própria imagem como um objeto já afastado de si mesmo, uma mercadoria passível de ser eleita como emblema de uma dada situação, real ou fictícia.
(...)

Apesar das mudanças políticas ocorridas no Brasil ao longo das últimas três décadas, a situação do artista na sociedade local, no geral, apenas se agravou. Se, nos anos 70, ele saía da cena pública (onde atuara com alguma força na década anterior), dando lugar aos ícones da cultura de massa, hoje o artista se mantém confinado nos espaços restritos do circuito de arte, operando questões com pouca ou nenhuma ressonância imediata no campo social.












Retorna ao índice de textos




Ilhados no circuito, muitos desses artistas operam as próprias imagens, por apropriação ou pelo deslocamento para contextos outros, quase sempre impensáveis no momento em que foram concebidas.

Embora todos os auto-retratos presentes nesta mostra - pela própria natureza dos mesmos - trafeguem por vários nichos de significado, podemos estabelecer três eixos de tipologia. Em primeiro lugar, estão agrupados artistas que parecem encontrar, nas imagens e formas criadas pela história da arte (em seus aspectos mais amplos), uma espécie de porto seguro para as aspirações dos artistas. No segundo conjunto, figuram artistas cujas montagens de autoretratos têm como parâmetro imagens dos meios de comunicação de massa, denunciando a presença massacrante dessa iconografia em nosso cotidiano. Já no terceiro, incluem-se aqueles que buscam nas fotos que lhes foram feitas no decorrer de suas vidas a base para seus auto-retratos de adultos... (...) auto-retratos de profundo interesse não apenas estético, como também psicológico e sociológico.
(...)

Fábio Carvalho joga, em Espelho Mnêmico (1998), com as relações metafóricas entre fotografia e espelho, como se fixasse neste último os vários momentos de sua transformação de criança em adulto.
(...)
Sobre o que falam todos esses trabalhos, além do confinamento a que o artista plástico foi relegado nessas últimas décadas? Sobre o que falam esses trabalhos, a não ser sobre a crise do sujeito nessa passagem de milênio, um sujeito destituído de qualquer crença em projetos que restituam a crença no devir?

Imersos no universo autocentrado das imagens que Ihes confere legitimidade como artistas e enquanto indivíduos, mais do que nunca, esses artistas e essas obras chamam a atenção para o impasse profundo da arte nos dias de hoje, ilhada e sem possibilidade aparente de recompor uma linha de atuação menos comprometida consigo mesma e sua história e mais antenada com o que vai pela cabeça e pelo coração do outro.
(...)

Publicado no catálogo da exposição Deslocamentos do Eu - O Auto Retrato Digital e Pré-Digital na Arte Brasileira
Itaú Cultural Campinas - SP - 2001
Paço das Artes - SP - 2001


   
obras ] [ curriculum ] [ notícias ] [ entrevistas ] [ vídeos ] [ publicações ] [ textos ] [ bibliografia ] [ na midia ] [ loja ] [ coleções ] [ e-mail