Fábio Carvalho: Os Mistérios da Origem |
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O artista carioca Fábio Carvalho fala
sobre seu contato com o mundo da arte, sua relação
com as diversas mídias e deixa um recado para os
novos artistas.
Por Leandro Vieira (2002) |
"Espelho Mnêmico" (1998).
Fotografia cromogênica de imagem digital (durst
lambda).
Superposição de quatro retratos do artista aos 3,
20, 28 e 33 anos. |
Como e quando surgiu o teu envolvimento com a arte?
Foi de forma gradual e enviesada. O primeiro "culpado" foi
meu pai, que sempre levou a mim e meus irmãos, desde pequenos,
a museus (arte, história, ciências), e sempre nos estimulou
a criar livremente. Até uma certa idade, podíamos desenhar
com giz escolar colorido nas paredes do quarto de empregada,
área de serviço e do quintal de nossa casa. Eu meus irmãos
criávamos verdadeiros cenários para nossas brincadeiras.
Além disso, tínhamos em casa pilhas de livros e enciclopédias
sobre arte. Eu adorava copiar os quadros que via em meus
desenhos. Meu avô, não me lembro em que idade,acho que lá pelos meus
5 anos, nos deu um cavalete com um bloco grande de papel,
potinhos de guache e muitos pincéis, e isto foi minha principal
diversão por muito tempo. Aliás, desenhar e pintar foram
sempre atividades divertidas para mim. Até aí nenhuma novidade,
pois toda criança adora isso. Acho que o diferencial foi
que em casa, e nas escolas pelas quais passei, isso sempre
foi estimulado.
"Sudário No. 2/01"
(1998).
Fotografia cromogênica de imagem digital (durst lambda)
de mancha de suor sobre peça de roupa.
Por falar em escolas, dei sorte de ainda estudar numa época
e em colégios em que havia o ensino de história da arte
e oficinas de "artesanato" e aulas de "arte". Lembro do
momento mágico que foi para mim, aos 5 anos, descobrir as
cores primárias, secundárias e terciárias, e como isso mexeu
comigo. Era fantástico!!! Eu podia com apenas algumas cores,
ter todas as outras!!! Lembro também, na oitava série, um
seminário que apresentei sobre o Romantismo Francês, para
o qual o meu pai fez diversos slides. Ainda lembro até hoje
aquelas imagens, do dia de minha apresentação.
A partir do segundo grau, isto foi aos poucos ficando esquecido;
fiquei mais interessado por música, "ter uma turminha" para
sair, cinema, aos poucos, noitadas... Era uma época de explorar
outras fronteiras -- namoros, sexo, álcool, badernas, a
pressão de se descobrir o que se vai fazer no vestibular,
etc. Adolescência, enfim.
Acabei optando por biologia, no que
me formei (biologia marinha), embora já nos últimos períodos
tenha ficado claro que eu não iria trabalhar com aquilo,
mais por uma questão da dificuldade profissional, do que
de gostar ou não. Eu ainda adoro.
"O futuro se repete no
passado - n° 1" (1999-2000). Cópia fotográfica de imagem digital de manchas de café no
fundo de canecas.
O mistério da origem / destino da vida, a morte, o que somos,
o que é estar vivo, o que é não estar vivo, entre outras
questões, ainda me assombram até hoje. Lembro agora de que
quando era criança, eu me determinei a encontrar a "cura"
para a morte, e terminei, lá pelos 8 anos, criando um plano
louco para época, de ser imortal através da produção de
clones e transplante sucessivo do meu cérebro de um corpo
para outro. Hoje não estamos mais tão distantes disso.
Já no início da faculdade de biologia, comecei a estudar
informática; estávamos na era dos primeiros computadores
pessoais, eu comprei meu primeiro em 1983. E por mais pobres
que fossem, sempre fui atraído por explorar os recursos
gráficos daquelas máquinas. Após a faculdade, fiz uma especialização
em programação de computadores, e em seguida, uma pós-graduação
em análise de sistemas, profissões que exerci até 1993.
Em 1987, lembro que voltando de uma viagem, passamos pelo
sítio da irmã de uma amiga, momento este que foi muito impactante
para mim, pois ela era pintora, e tinha um grande atelier
neste sítio. Foi como reencontrar algo que estava adormecido.
Ao chegar no Rio, naquele mesmo dia, ressuscitei o meu material
de pintura, e comecei a pintar novamente. Nesta época, eu
trabalhava longe de casa, numa cidade vizinha ao Rio, e
aproveitava as viagens de ônibus para estudar história e
teoria da arte. E isto cada vez mais foi ficando importante
para mim, foi se tornando algo prioritário em minha vida.
Voltei a trabalhar no centro do Rio, e quase todos os horários
de almoço eu passava no Museu de Belas Artes, e eventuais
outras exposições pelo centro, que naquela época eram muito
mais raras do que hoje. Ainda não vivíamos a febre dos centros
culturais. Continuei por mais alguns anos estudando e praticando
sozinho.
Acabei por ingressar em 1990 na Escola de Arte Maria Tereza
Vieira, ali mesmo no centro da cidade, e em 1991 migrei
para a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Foi quando
decidi que em alguns anos abandonaria de vez o trabalho
com informática, para me dedicar ao estudo e prática de
arte. Isto se deu em 1993, e de lá para cá, é o que tenho
feito.
Alguns dos teus trabalhos começaram na fotografia, pela
imagem impressa, e se deslocaram depois para o vídeo. Como
é essa passagem entre meios? Como funciona o seu processo
de trabalho nestes casos?
Eu não vejo desta forma: da fotografia para o vídeo, passando
pela imagem impressa. Não é uma transição linear e ordenada.
Não me considero um artista de uma mídia só. Não me prendo
a apenas uma mídia em meus trabalhos. Para mim o mais importante
não é o meio, mas sim a mensagem. Desta forma, escolho o
meio em que o trabalho melhor se dá.
O vídeo me serviu algumas vezes como um suporte
a mais para meus trabalhos, especialmente entre 1994 e 1996.
Mas isso não quer dizer que não possa retomá-lo a qualquer
momento. Estou sempre em trânsito pelas diversas mídias.
Frame do vídeo "As leis da
variação" (1996). Fusão fenotípica digital de fotografias do rosto de diversas
pessoas com um retrato do próprio artista.
Há trabalhos meus em que não sei mais (nem me preocupo muito
com isso) do que é o que, de onde (mídia) veio o que....
Tem vezes em que uma imagem de vídeo foi digitalizada, trabalhada
no computador, e depois tem uma saída em cópia fotográfica....
Que diabos é isso? Não importa! Da mesma forma que vários
outros artistas, e não necessariamente apenas os artistas
atuais, pratico linguagens e formas híbridas. Isto já existe
mesmo antes das imagens tecnológicas. Isso para mim é liberdade,
e não consigo conceber a prática artística sem liberdade.
No vídeo "Análise
do conteúdo estomacal de Fábio Carvalho" há o
registro de todos os alimentos consumidos por você num período
de 15 dias (de 04/04/95 a 18/04/95). Como você lida com
essa entrada da câmera no cotidiano próprio?
Penso sua pergunta em termos dos dias atuais, dos "reality
shows". Isto não havia na época, muito embora na prática
artística, especialmente a vídeo arte, isto fosse já uma
coisa recorrente: o artista documentando suas próprias atividades
rotineiras. Isso não foi uma coisa especialmente diferente
para mim, pois vários de meus trabalhos lidam com este aspecto,
são como diários, diários como índices biográficos pessoais,
mas deixando de lado qualquer vestígio íntimo ou confessional.
Não há anotações ou textos, como em um diário tradicional,
mas sim registros visuais, algumas vezes apenas resíduos,
de várias atividades rotineiras da minha vida cotidiana.
Vendo a tua produção percebe-se alguns "temas" recorrentes:
o auto-retrato, o espelho, a memória, a identidade... Qual
é a sua preocupação com estas questões?
São as minhas questões base, e não exclusivamente na arte,
mas na vida de uma forma geral, como disse anteriormente,
ao explicar o que me levou a estudar biologia; o mistério
da origem / destino da vida, a morte, o que somos, o que
é estar vivo, o que é não estar vivo, quem somos nós, o
que nos diferencia uns dos outros, até onde sou eu e onde
começa o outro. Na verdade, são questões existenciais bastante
básicas que todos lidamos, e que eu tento entender por mim
mesmo.
A partir da tua própria experiência como artista, como
você avalia o mercado e o circuito de arte hoje?
Ainda é pequeno, fechado, dependente de apenas alguns poucos
colecionadores e galeristas, o que é muito ruim, pois o
torna viciado, problemático, sujeito a manipulações e controles
que não deveriam existir. Por outro lado, gera também uma
disputa e competição ridícula entre os artistas, uma das
classes profissionais mais desorganizadas e desunidas do
país, exatamente por não haver compartilhamento de informações,
trocas de experiências. Há o medo de que outro tome seu
lugar a qualquer momento. Isto é nefasto! Não somos executivos
da bolsa de valores!!! Lidamos (ou deveríamos lidar) com
valores muito mais importantes do que a especulação, a manipulação
e a competição.
Você está trabalhando em algum novo projeto no momento?
Quais são os planos para o futuro?
Sim, estou neste exato momento buscando formas de expressão
artística que continuem a exploração das minhas questões
básicas, mas de forma mais simples, mais prática. Nos últimos
anos acabei me tornando um pouco dependente do uso do computador
na realização dos meus trabalhos, e isso não é bom, pois
além de correr o risco do trabalho ficar "viciado" em um
tipo de resposta, pela facilidade com o meio, torna tudo
muito caro, e às vezes inviável de se produzir.
Deixe um recado final para nossos leitores e uma dica
para as novas gerações de artistas que vêm por aí?
Acho este tipo de pergunta sempre complicada, mas importante.
Minha melhor dica talvez seja: estudem muito, informem-se
ao máximo, busquem conhecer a história da arte, e tenham
paciência e menos ansiedade de entrar no circuito de artes.
Cada dia mais, os artistas estão chegando mais jovens e
mais despreparados ao mercado. Isto é ruim para eles, péssimo
para a qualidade da arte produzida em nosso país. Mas isto
é em grande parte alimentado e estimulado pelo próprio mercado,
sempre em busca das novidades, da "nova estrela". Então,
tenham cuidado e não se deixem seduzir pelo "canto da sereia",
pois da mesma forma rápida que um jovem artista pode ser
elevado à categoria de celebridade, ele será descartado.
E estamos falando de coisa séria aqui. Isto não é revista
Caras nem Big Brother Brasil. Procurem primeiro solidificar
seus conhecimentos e propostas artísticas, para que no dia
em que estiverem na linha de frente tenham algo de concreto
para dizer, e o façam com qualidade, e, principalmente,
com responsabilidade! |
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